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O cinema explorou bastante a data fatídica antes da imprensa disseminar a opinião da ciência |
Creio que esta seja a terceira vez que escrevo sobre o fim do mundo. Em 2000, antes da existência deste blog, publiquei um artigo no Jornal Actual, periódico local, intitulado: “Passamos pelo fim do mundo”. Mais recentemente revisitei o assunto, visto que as pessoas em toda parte do planeta parecem não conseguir viver sem tais previsões catastróficas. Nesta ocasião, a crônica foi postada neste blog: “Passamos pelo fim do mundo novamente”. Agora, resolvi fazer uma pesquisa na internet e encontrei mais de uma centena de datas frustradas do famoso cataclismo que me despertaram outra vez para o tema, sempre no intuito de desmistificá-lo.
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Autores fazem fortuna com publicações apocalípticas |
Sejam religiosos, supersticiosos, místicos, pseudo-cientistas, empresários ou, simplesmente, lunáticos, o fato é que os anunciadores do apocalipse sempre encontram ressonância nos veículos de comunicação sem qualquer responsabilidade com as possíveis consequências das suas previsões. Sabemos que nenhuma das malfadadas profecias passadas culminou na destruição do planeta, senão não estaríamos aqui contando essas histórias. Mas, é certo que muitas delas acabaram por provocar tumultos, saques, suicídios, prejuízos financeiros, revoltas e até mesmo grandes tragédias. Em vários casos, no entanto, ocorreu fama e muito dinheiro para os falsos profetas e aproveitadores da situação.
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Stoeffler causou tragédia com sua profecia |
Um dos fatos mais famosos e trágicos da história foi o caso do catedrático de uma universidade e conselheiro da corte, tido como fonte idônea, Johannes Stoeffler. Por sua reputação na Alemanha, o astrólogo convenceria o conde Von Iggleheim a construir uma arca de três andares. Ele previu que aconteceria um dilúvio em 20 de fevereiro de 1524. Stoeffler falava sobre isso desde 1499. Centenas de livros foram publicados sobre o assunto, e muitos astrólogos confirmaram a teoria interpretando sinais da chegada da catástrofe. No dia previsto, logo pela manhã começou a chover torrencialmente. Uma multidão entrou em pânico e tentou invadir a arca. Tentando defender a propriedade, o conde matou uma pessoa com sua espada, mas morreu pisoteado. Antes do final do dia, a população local tinha se chacinado mutuamente. Crianças, velhos e mulheres sucumbiram no tumulto. A arca foi destruída. Diante do desastre que provocou e sobreviveu, Stoeffler argumentou que sua previsão se consolidara: afinal, uma desgraça tinha acontecido. E resolveu então prever novo fim do mundo para 1528.
Mais recentemente outro suposto profeta ficou famoso: o pastor norte-americano Harold Camping, proprietário de uma rede de comunicação, previu várias vezes que o mundo iria acabar. Para ele, o apocalipse de 1994 não aconteceu por erro de cálculo e transferiu a data para 21 de maio de 2011. Desta vez, a defasagem foi de cinco meses e a grande catástrofe passou para 21 de outubro do mesmo ano. Por fim, após mais um fracasso profético, ele se convenceu que o erro estava nele, que não é gênio. Creio que esta tenha sido a coisa mais certa que ele revelou.
Atualmente, toda vez que se anuncia o fim do mundo, novos produtos e serviços chegam ao mercado. Livros, artigos, documentários, conferências, filmes de ficção, séries e novelas televisivas e promoções publicitárias chamam atenção dos incautos e enchem as contas bancárias dos espertos. Lunáticos ou empreendedores conscientes sobre o pânico alheio investem tudo o que têm nas suas versões mirabolantes de arcas, abrigos anti-catástrofes e campos de pouso para discos voadores. Outros faturam oferecendo serviços de abrigos espirituais blindados durante o período em que o mundo estiver acabando. Vale lembrar que a passagem para um novo mundo, no entanto, não custa pouco, e o pagamento é sempre antecipado, obviamente. A celeuma também gera rendimentos aos especialistas que se dedicam em provar o contrário.
Geralmente em datas redondas do Calendário Gregoriano as profecias catastróficas se atropelam. No ano 1000, a ignorância causaria muitos problemas. Em 2000, não foi diferente. A ambição é tanta, que a mídia deixou subentendido que a virada do milênio seria de 1999 para 2000. A indústria do entretenimento promoveu Reveillons milionários por toda parte antes que o mundo acabasse. A correta data só seria disseminada pela imprensa quando já era tempo de renovar as expectativas e se planejar de novo para a verdadeira virada do milênio no final de 2000 para 2001. Novas campanhas publicitárias foram retomadas pelos veículos de comunicação e outros serviços e produtos anunciados.
Nesta semana, estamos mais uma vez às vésperas do fim do mundo. Agora, os números curiosos apontam a próxima sexta-feira (21/12/12) como data final. Exímios astrônomos, os maias, criaram vários calendários simultâneos que funcionavam como uma engrenagem. O último ano registrado por eles, 5126, corresponde ao nosso 2012 e não sei por que cargas d’água eles não fizeram mais calendários. Mas, mal passa uma data frustrada da hecatombe e outra se instala imediatamente. Como o suposto dia fatídico está na esquina, visto que hollywood e grandes corporações já faturaram fortunas com a ignorância das massas, chegou a vez dos telejornais e revistas darem voz à ciência que afirma categoricamente não existirem indícios de catástrofes que culminem com término da vida na Terra nos próximos dias. Alguns místicos entendem que se trata simplesmente do final de um ciclo espiritual. Uma oportunidade para mudança de consciência coletiva. Menos mal.
Enquanto isso, novas datas são especuladas. Caso o mundo não acabe neste fim de semana, o asteroide Apofhis já foi escolhido como a bola de fogo da vez. Ele vai passar no ano de 2029 perto da Terra, e já é o vilão do próximo fim dos tempos. Se sua primeira passagem não ocasionar nenhum estrago, a segunda, mais próxima ainda da Terra, já está prevista para 2036. E desta vez, garantem os novos profetas do apocalipse, não teremos saída.
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Em 1910 o Halley ainda associado à catástrofe não deixou de ser explorado comercialmente |
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Discreta no céu, a última passagem do cometa deixou um rastro de produtos e serviços pela indústria do entretenimento na Terra |
Eu, adolescente na época, tive mais sorte que a maioria dos terráqueos. Me acotovelei entre dezenas de pessoas para ver por alguns segundos através do teodolito de um vizinho topógrafo o pequeno astro nebuloso, sem graça e sem cauda aparente. Aos que nada viram naqueles dias, só lhes resta torcerem para que o mundo não acabe antes do próximo periélio, em 2061. Se vivos e lúcidos poderão tentar se deslumbrar com aquele prometido astro luminoso que quando não destrói o planeta deixa seu rastro brilhante pelo céu.
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Veja no link a seguir centenas de datas previstas para o fim do mundo que nunca aconteceu, de acordo com o site sandcarioca.wordpress e outras fontes de pesquisa.