(Por Júlio Lucas)
Desde a infância que a gente vê no cinema e na TV, lê nos jornais, ouve do rádio e dos amigos, anúncios do fim do mundo com data e hora marcada.
Na virada do milênio aconteceu um festival de profecias apocalípticas cuidadosamente calculadas. Ainda bem que esses fanáticos são tão bons em matemática quanto na decifração de previsões.
Fiquei feliz por passar mais uma vez pelo fim do mundo. Não apenas por não ter morrido. Única fatalidade garantida para quem vive. Mas, por ter curtido alguns momentos agradáveis nestes últimos dias da semana (da semana, não dos tempos).
Se o mundo acabasse às 18h do sábado (21), como previsto pela seita norte-americana Family Radio (que possui um conglomerado de 66 estações de rádio) o Miscelânea, meu humilde cantinho neste latifúndio chamado web, não teria ultrapassado os cinco dígitos de acessos e eu não apresentaria mais um Tribos do Rock, na 105 FM. Por sinal (aproveitando o espaço para o merchandising, já que não sei quando vou ter outra oportunidade), foi muito animado.
Se o mundo acabasse sábado, não iria saborear o papo legal com bons amigos, whisky e canapés no casamento de Romualdo e Karla. Não teria curtido o samba-rock do Santo Forte e me esbaldado, como nos bons tempos da danceteria, ao som de DJ Ney. Também não iria dançar o forró de Dedé da Paraíba com Lana no sítio de Val Baiano. Ficaria sem me redimir com Neubera Kundera, que fez mais um show no Havana e não pude ir.
Se o mundo acabasse nesse final de semana, eu não teria outra oportunidade de escrever sobre este tema. “Passamos pelo fim do mundo” foi o título de artigo meu publicado no Jornal Actual há uma década que abordava exatamente mais uma chance que a humanidade ganhava para rever seus conceitos e melhorar o planeta.
De lá para cá as coisas só pioraram. Devastada pelos interesses econômicos, a Terra continua enfrentando o perfil psicopata de grandes corporações que, com seus tentáculos camuflados pelo progresso, dão uma de João sem braço diante das catástrofes da natureza. Como rolo compressor, o poder econômico, com aval de instituições políticas, avança por cima da vida, ao mesmo tempo em que, como burro empacado, reluta em reduzir suas margens de lucro e mudar os paradigmas do desenvolvimento.
O progresso, se um dia foi associado à evolução, hoje é exatamente o paradoxo de desenvolvimento humano. E não pode perdurar embasado no consumo desenfreado, na destruição, na ambição e na guerra.
As explosões da usina de Fukochima, no Japão, provaram mais uma vez que não é inteligente, nem ético e nem moral investir comercialmente numa tecnologia que não dominamos. Que não sabemos o que fazer com o lixo produzido, nem como reagir a um acidente de maiores proporções. Mas no Brasil continua em curso o programa nuclear tupiniquim, com know how alemão defasado, para mais construções de usinas em Angra e mesmo aqui em Chorrochó, no norte da Bahia, na região do Raso da Catarina onde na década de 70 queriam criar o lixão nuclear. E na região de Caetité tem água radioativa que governador não bebe.
Passando a vista nas notícias de última hora não é difícil encontrar receitas emblemáticas sobre como se fazer o fim dos tempos: “Bancada ruralista exigiu do governo e sua liderança na Câmara a votação do Código Florestal em troca da proteção ao ministro chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, ameaçado de convocação pelo Legislativo para que explique o seu crescimento patrimonial em 20 vezes nos últimos quatro anos.” O acordo é simples, o ministro chefe da Casa Civil se safa e os criminosos que arruínam nossas matas também. Outra triste notícia deu conta de que “O casal de extrativistas - considerados sucessores de Chico Mendes, morto em 88 – foi executado por denunciar a extração ilegal de madeira”.
Os simples jogam o tempero na receita do fim do mundo cada vez que fazem ouvido de mercador a essas notícias e continuam lançando copos descartáveis em via pública ou carregando pão em sacolas plásticas sem necessidade.
Assim caminha a humanidade rumo ao fim dos tempos. Um passo após outro. Seja na Amazônia, no Japão, em Chorrochó, na nossa cozinha, ou no Congresso Nacional.
Todos nós contribuímos um pouco para o derradeiro eclipse total: seja quando abrimos os braços à sedução do consumo desenfreado ou quando fechamos os olhos para a corrupção e para a ganância daqueles escolhidos para defenderem nossos interesses, mas que apenas se locupletam na causa comum de se manter no poder.
O fim do mundo, senhoras e senhores, não tem hora nem lugar. Cristão que é cristão tem consciência disso: "Ninguém sabe, nem os anjos do céu, nem mesmo o Filho, mas somente o Pai" (Mateus 24,36). No entanto, esse legado maldito que deixamos para filhos e netos está lavrado em atos por nossas próprias mãos. É agora e em toda parte que essa tragédia anunciada segue fiel a agulha da ganância e da ignorância que alinhavando o fio anacrônico do progresso borda a face da Terra, desenhando-se pouco a pouco: A P O C A L I P S E.
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"Mesmo se eu soubesse que amanhã o mundo se partiria em pedaços, eu ainda plantaria a minha macieira." Martin Luther King Jr
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