Este é o Miscelânea, por Júlio Lucas

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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

HORA DA CRÔNICA: O menino esperto e a morte do mito (Por Júlio Lucas)

Antes da versão capitalista criada pela Coca-Cola,
Papai Noel, proveniente de São Nicolau, possuía vestimentas de 

variadas cores conforme o lugar de culto ao mito do bom velhinho
Não me lembro bem com que idade, mas creio que aos 7 anos comecei a questionar a existência de Papai Noel. Sempre ouvia dizer que ele costumava descer pela chaminé das casas. Mas eu não conhecia nenhuma moradia em minha cidade natal que dispusesse de tal recurso. Perguntei a meu pai: - se não tínhamos chaminé, por onde ele entraria para deixar os presentes? E o sábio Manoel Lucas disse serenamente que deixaríamos a janela aberta para que ele pudesse entrar. Naqueles tempos, em Paulo Afonso, na área residencial da Chesf dotada de alguns privilégios como pão e leite na porta e vigilância constante da guarda da companhia, era possível sim deixar janelas e portas amanhecerem escancaradas. 

Mas ainda outras questões me incomodavam: como Papai Noel teria condições de deixar presentes em todas as casas numa só noite? Ele suportaria o calor do verão nordestino com aquelas roupas do Pólo Norte? E as renas, podiam voar sem asas? 
Notívago desde menino, bolei um plano. Resolvi permanecer acordado após a ceia sem que percebessem. Recolhi-me cedo. E fiquei silente na cama. Pálpebras em repouso, ouvidos convenientemente alertas. Sentidos atentos, como gato à espreita de inseto. 
Não deu outra. Logo o burburinho tomou conta do quarto e entre os cochichos dos meus pais e de algumas das minhas irmãs, percebi sons que aos poucos iam se revelando conhecidos, como o rolar das rodas de um carrinho. Outros barulhos, não tão identificáveis, como blocos de madeira despejando de um lado ao outro dentro de alguma caixa de papelão. Barulhos de embrulhos e desembrulhos de papel de presentes acirravam minha curiosidade de compreender a série de ruídos que intrigava e desafiava a paciência de menino inquieto. 
Estava louco para conhecer os presentes que colocavam embaixo da minha cama, mas tinha que me conter. Eu não poderia deixar que descobrissem que naquela noite, o mito do bom velhinho esvaía-se das fantasias do caçula da família. 
Com a paciência maior que o sono, e a disciplina, amiga da noite de Natal, resisti. E quando todos foram dormir, levantei-me sorrateiramente - como deveria ser a chegada de Papai Noel (caso existisse) - peguei os presentes e os levei para o quintal onde brinquei até o galo cantar e o sol me iluminar, me fazendo acreditar que era o menino mais esperto do mundo.

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