Este é o Miscelânea, por Júlio Lucas

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sábado, 21 de agosto de 2010

21 anos sem Raul Seixas (?)

Raul Seixas em turnê a convite de Marcelo Nova
Depois de cinco anos fora dos palcos
Hoje, 21 de agosto de 2010, completam-se 21 anos sem Raul. Mas será mesmo que podemos dizer assim, sem Raul? Lembro-me quando naquela tarde de segunda-feira, em Salvador, um colega chegou na roda de conversa, na Escola de Engenharia Eletromecânica da Bahia, e disse: “Vocês tão sabendo que aquele cara morreu? Aquele cantor maluco?” e insistia em dar a informação sem lembrar o nome, até que outro arriscou: “Raul Seixas?”.
Fãs choram por Raul no cemitério Jardim da Saudade
O que para alguns seria apenas a confirmação do falecimento de um artista distante, para mim a notícia batia no peito como a perda de alguém da família. Pedi licença e fui para minha casa. Passei a noite ouvindo suas canções em silêncio no quarto. Era estranho sofrer pela morte de alguém que sequer sabia da minha existência. A questão é que Raul parecia fazer parte da minha vida “há dez mil anos”, quando bruxas, vampiro, arca de Noé e tantas outras imagens das suas canções em parceria com Paulo Coelho povoavam minha imaginação enriquecendo minha infância.
No dia seguinte, para as rádios baianas, mesmo aquelas que só tocavam axé, estranhamente parecia nascer o baiano maluco beleza. Todo momento tocavam na programação regular os sucessos de Raul. Às oito horas da manhã, em São Paulo, um jatinho decolou transportando o corpo para Salvador.
Comecei a perceber que não estava só, em meus lamentos. Meu xará Júlio Carvalho me ligou para irmos ao sepultamento no final da tarde. No cemitério Jardim da Saudade, uma multidão disputava um lugar sobre as lápides de anônimos, provocando princípio de tumulto. Mas o que a maioria das pessoas queria entre lágrimas e cantos era apenas ver Raulzito pela última vez.
Raul estava fora dos palcos e da mídia a mais de cinco anos. Marcelo Nova que o convenceria no ano anterior (1988) à sua morte a fazer uma sequência de 50 shows pelo país enquanto gravavam o álbum “Panela do Diabo” (irreverentes como sempre, o título era uma provocação a evangélicos que teriam feito manifestação contra uma apresentação).
Para minha alegria e de muitos outros baianos, os primeiros espetáculos da turnê foram em Salvador. Na Concha Acústica do Teatro Castro Alves e dias depois no Estádio de Pituaçu. Tive a oportunidade de estar nas duas apresentações que mais pareciam um ritual de confraternização entre tribos “rivais” de várias gerações: hippies, punks, yuppies, metaleiros. Todos dançavam e cantavam juntos, chegando a dar as mãos no momento da emblemática “Sociedade Alternativa”.
Tudo transcorreu na mais absoluta paz. Exceto por alguns instantes, na Concha, quando Raul, bastante debilitado, cantava um dos seus sucessos, até perceber que a atenção do público estava sendo desviada para uma confusão no fundo do palco. E perguntou, se não me falha a memória, algo do tipo: “qual é o problema Marceleza?”. Este veio para frente explicar que o proprietário do som queria parar tudo por causa do atraso. Com dedo em riste, esbravejando, Marcelo Nova defendia com unhas e dentes a continuação da apresentação do amigo. E em tom de ameaça instigava o público mais ou menos assim: “Vocês vão deixar que esse cara acabe com o show? (...) Se o som parar, saibam que essa aparelhagem não é minha nem de Raulzito, é daquele bicho-grilo ali atrás”.
E o show continuou... e nunca mais parou: aos 44 anos, no dia em que seu último disco chegava às lojas, como uma metamorfose ambulante, renascia Raulzito. Ganhou um viaduto com seu nome em Salvador, e várias outras homenagens póstumas, como o Parque Ecológico Cultural Raul Seixas, a Oficina Cultura Raul Seixas, diversos livros, peça teatral, coletãneas musicais e em breve um documentário para o cinema.
Quem foi que disse que são 21 anos sem Raul Seixas?

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