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quinta-feira, 22 de julho de 2010

Crítica de ROSEIRAL, livro do poeta José Inácio, por Ney Ferraz Paiva

O livro
Se um homem atravessasse o Paraíso num sonho, e lhe dessem uma flor como prova de que lá estivera, se ao despertar encontrasse essa flor em sua mão... o que dizer então? [Coleridge]

José Inácio Vieira de Melo, em “Roseiral”, empreende o ato de fazer o outro perceber/perceber-se nos duplos e nas transmutações de si: despertar “a vontade de plantar pedras em outras cabeças”, como consequência de uma linguagem que joga, brinca, viaja – e não se faz trocar por fichas neutras. Daí que, desde os poemas iniciais, o poeta evoca o retrato de cabeças como um gravurista que não se basta à representação. “Eu jogo uma pedra em tua cabeça para que ela cresça em dor”, ou: “A tua cabeça é um precioso amuleto dentro da minha cabeça”. A iconografia que o poeta quer é outra. Uma que fizesse circular um retrato que fosse o menos comum, do quanto que deste lugar existe, se é que existe o lugar e se pode falar por si ou de sua cópia, ou de seu vulto – e, assim, não mais ter que estampar uma mesma e única fisionomia no imediatismo precipitado da pergunta: o que é o sertão? Isto não mais. O retrato falado a que certo cinema, certa literatura, certa música não cessam de nomear, fixar. Uma sociologia que não se sabe se das artes, se das suspeitas, se das discriminações. Por certo nunca a das diferenças, das singularidades, das ramificações. Que esses clichês se abram em outros nomes-imagens não como buquês que ornam e celebram uma vida passivamente administrada; buquês que logo murcham nas mãos daqueles que já estavam mortos. Contra isto a potente investida dessa poesia multiplicada, transmutada, saída do silêncio e da solidão – num estrondo, numa pancada: “Para que, plantada em tua cabeça, a pedra frequente a tua existência”.

“Roseiral” tem como horizonte a amplidão. Requer conversa, diálogo, fala amigável, alegre e incessante. E isto é mais do que tentar uma ênfase. O livro todo nos afeta o imaginário com a vivacidade das coisas cuidadosamente feitas, e não arrefece o impulso de subida nas cinco seções em que se divide. Sem sacrificar a complexidade das temáticas, e sem cair na exterioridade do genérico, chega aos pontos de tensão em áreas de sensibilidade que pra muitos pareciam esgotadas, exauridas. Aqui, a “pedra”, a “rosa”, a “odisséia” – ou a viagem e o nomadismo – abrem espaço pra uma cena maior, de acentuada potência elocutória: um fluxo, um nascimento, uma torrente de coisas sendo devidamente despertadas em simetrias secretas. Não é mais o livro numa combinação híbrida de Rilke, Lorca, nem mesmo Celan, mas o livro inaudito. Um que se volta aos segredos como se de um álbum de família vertiginoso e nada dócil, de nomes-imagens travejados; livro que ativa toda a penúria que somos no instante impreciso das horas e descobertas. É o menino, a infância, a casa, o homem – aquele cadinho que somos, pra quem as coisas acontecem e, a uma só vez, escapam, multiplicam-se. “Eu não sei nem pra onde ir com a minha diferença”. O que somos é algo que criamos – somos nossa própria criação e não cessamos de fazê-la aqui e alhures. Formas de criação em linhas, trânsitos, direções fundamentais e intermediárias. Aventuras secretas e prazeres comuns. O aberto. O fechado. A favor disso o poeta adverte de seu modesto e imenso propósito: “E agora eu só sei te falar desse labirinto”.

Ney Ferraz Paiva

Quem desejar ler a crítica completa acesse: http://www.hospiciomoinhodosventos.blogspot.com

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