Este é o Miscelânea, por Júlio Lucas

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quinta-feira, 24 de novembro de 2011

Miguel Mensitieri fala de literatura, de literatos e da sua condição de "mortal da Academia de Letras"



Prezado Júlio Lucas:


Sou uma alma penada que viaja sem conseguir livrar-se dos “imortais”. Sou o único espírito mortal da Academia, e o paradoxo serve de consolo e sustentação. E ainda existem basbaques presos à ideia de mortalidade.
Pretendo enviar currículum e foto. Você, que é acadêmico com meu voto, pode mostrar-me o caminho que leva à lápide número trinta e sete, onde eu possa pregar minha identidade cultural e literária.
Mudei de ideia, afinal manter a coerência é uma chatice e, no meu caso, um equívoco. Há uma perspectiva de mudanças e dá para perceber alguns acadêmicos com ampla visão de mundo, mas que terão de suportar certa geografia humana que habita essa instituição; entretanto as flores que apareceram e aparecem projetam a sombra de nova estética, fato que induz a uma mudança de paradigma. De sorte que estas impressões metafóricas deixam transparecer minha tomada de posição, ainda que inconclusa.
Quando esse templo caatingueiro do conhecimento foi erguido, fui convidado por Dermival Rios para ser um dos sacerdotes (Quando eu era menino, sonhava ser padre (ufa!), mas fui salvo por um marxista que me apresentou ao Manifesto Comunista). Resisti ao convite, mas terminei por aceitá-lo. Enviei alguns trabalhos para que fossem avaliados. Rui Espinheira Filho foi um dos acadêmicos que julgaram e aprovaram meus contos e poemas. Preciso expor no blog da Academia a minha produção literária, teatral, musical e crítica; afinal, são trabalhos que já foram levados a público.
Fico imaginando outros “imortais” da Academia Brasileira de Letras, a exemplo de Paulo Coelho que escreve: “ Há dez mil anos atrás”. Ainda não se livrou dos vícios de linguagem. O fato se repete na A.L.J. Imagina-se que fazer literatura é como produzir automóvel numa linha de montagem robotizada. Não, é um quilométrico e milenar processo de criação e lapidação textual – espaço de leituras e releituras, memória de um aprendizado, em que se inserem técnica, estilo, ritmo, imagens e recursos que se superam e multiplicam, sem esquecer o espaço do intertexto. Sacar a ironia intertextual é para poucos escritores e leitores. Tudo isto é uma viagem ao cosmo dos signos – interação de significantes e significados. A síntese é o orgasmo estético materializado na obra de arte.
Quem tem recursos financeiros corre para publicar livros que terminam julgados como abaixo da crítica, e isto remete à questão da qualidade e quantidade. É fácil perceber projetos literários de cidadãos, em Jequié, que poderiam ser chamados de literatos, se soubessem escrever. São textos primários, vazios de conteúdo e cheios de lugares comuns, clichês, plágios. Para evitar conflitos, deixarei de citar os nomes desses subliteratos e poetastros. Há autores com tímida produção, mas de alto valor literário. O poeta Walt Whitman editou muito pouco, mas sua obra genial permanecerá ad infinitum.
Alegra-me a presença da professora Afonsina na Academia; ela, entre uns poucos entendidos, é quem melhor entende de literatura.
Preciso de informações. Não conheço a atual mesa diretora da A.L.J. Como encontrá-lo? Viajo mensalmente para ver a família e amigos.
Nasci em Jitaúna e estudei o primário e o ginasial em Jequié, em seguida fui conhecer o país; de sorte que continuo minha formação cultural direta e indiretamente. Morei em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Fortaleza e Salvador onde resido há 30 anos, o que dá a sensação de soteropolitanismo. Não moro fixamente em Jequié há 42 anos.
Acaba de sair em Salvador mais uma antologia com vários poemas meus. Já são 15 livros publicados com minha participação de crítico, poeta , contista e revisor ortográfico. Estou em via de publicar em São Paulo um livro de contos e poemas. Vou autografar um número da antologia pra você. Pretendo dizer ao Adilson que estou preparado para dirimir dúvidas sobre as informações que compõem meu breve currículum.

Um abraço, 

Miguel Mensitieri

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Nota do editor deste blog:




Caro Mensitieri,


Primeiramente peço desculpas pela demora desta postagem a você e, principalmente, a Paulinho Jequié que recomendou a publicação desta sua carta/artigo no Miscelânea. O fato é que não atualizo o blog com a frequência que estes tempos da comunicação instantânea exigem. Quero aproveitar para agradecer pelo volume autografado da antologia "Relógio de Areia" e parabenizá-lo por sua participação que muito abrilhantou a obra coletiva.
Fico feliz em saber da sua decisão (ainda que inconclusa) em integrar de fato nossa ALJ, já que por direito já faz parte a mais tempo que eu. Quanto às informações que me solicitou, também já caducaram, pois tivemos nosso encontro no "Barroco", brindamos pessoalmente, proseamos e até lemos poemas. Um encontro curto, mas divertido. Mas, vale ratificar que o site da ALJ está sendo reativado em breve com nova cara e nova dinâmica. 
Miguel, temos muito em comum. Me identifiquei logo que me deparei com seus poemas. Também fui resistente à ideia de integrar uma academia de letras até ceder ao convite do nosso amigo Dermival Rios. Parece que a intenção dele tem sido justamente a de arregimentar espíritos vivos (mortais ou imortais) inquietos para integrarem a entidade. Como diria Nietzsche "É preciso ter caos em si mesmo para dar luz uma estrela dançante".
Antigos conceitos mitificados que pairam sobre as academias como "o ponto de encontro para velhos imortais tomarem chá" e até surpreendentes e infelizes conjecturas carregadas de ranços inexplicáveis como esta que tive o desprazer de ler recentemente: "o lugar idealizado por Machado de Assis para se aliviar das suas flatulências"; aos poucos se dissipam quando nos aproximamos delas e nos livramos do preconceito.
Estamos em dias cada vez mais complexos e pipocam vertiginosamente organizações em que as pessoas se juntam para as mais variadas e inimagináveis finalidades, no intuito de promover um mundo melhor, mais diverso: proteger animais em extinção, defender ações inclusivas e reparatórias dos direitos dos afrodescendentes, acabar com a homofobia, conscientizar o consumo correto pelas donas de casa, promover o uso da bicicleta para diminuir os gases poluentes, ocupar Wall Street, salvar os gatos pretos das fobias supersticiosas. Qual o problema de integrar uma entidade que tem por objetivo celebrar e fomentar as letras? Bons e maus, bem e mal existem em quaisquer aglomerações humanas. Mas, juntos somos mais fortes para tentar atenuar as dores do mundo.
Quando aceitei concorrer a uma vaga na ALJ pensei que, além da satisfação pessoal, poderia servir de referencia para outras pessoas acreditarem no hábito da leitura e na busca da boa escrita. Ter sido eleito serviu para motivar logo de imediato a mim mesmo: Com muita luta e apoio de amigos consegui publicar meu primeiro livro "Novamente Poesia". Amanhã estarei numa escola publica para falar deste feito a jovens estudantes. Se o mundo tivesse acabado no dia 11/11/11 eu já teria realizado a alegria de ter filhos, plantado árvore e publicado um livro. Esta última só possível graças à motivação de estar na ALJ e pela provocação do nosso confrade e também polêmico José Inácio Vieira de Melo. 
Seja bem-vindo então, Mensitieri. Vamos juntos tirar o pó das estantes e declamar poemas bem alto nos alto-falantes para assombrar a pasmaceira das catacumbas do porvir herdado que paira por todo os cantos! A ALJ também é lugar de inquietação.


Júlio Lucas

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