A tranquilidade do Stiep tranformou-se em medo e insegurança |
Pesquisando as últimas notícias da internet, me deparei em um site jornalístico com a exibição de imagens da câmera de segurança de um barzinho na capital baiana com clientes sendo surpreendidos por assaltantes armados. Enquanto reprisava no clicar do mouse as cenas de pânico, recordava-me dos tempos em que morei na capital baiana, onde tantas vezes estive em lugares como aquele “bebemorando” com amigos ou parentes depois do expediente de trabalho.
Ao profetizar nos anos 60 que um dia todos teriam direito a 15 minutos de fama, certamente Andy Warhol não imaginava que o fenômeno da criação de celebridades instantâneas poderia recair na maior parte sobre as vítimas da violência.
Ao profetizar nos anos 60 que um dia todos teriam direito a 15 minutos de fama, certamente Andy Warhol não imaginava que o fenômeno da criação de celebridades instantâneas poderia recair na maior parte sobre as vítimas da violência.
A narração do vídeo editado dizia em tom grave que na sequência daquela ação horas depois os mesmo bandidos aterrorizaram outro bairro deixando duas vítimas baleadas. Desta vez o fato ocorreu no Stiep, onde vivi parte da minha juventude.
Como um mau presságio a voz da repórter ainda ecoava em meus pensamentos quando liguei para Salvador, após ter recebido um recado pelo msn de um amigo dizendo que eu entrasse em contato urgente. A constatação por telefone: eu conhecia uma das vítimas que estava no barzinho. Trabalhador e pai de família, meu cunhado tomava uma cervejinha, após sair da faculdade, na companhia de amigos do bairro em que reside a mais de duas décadas, sem imaginar que seria alvejado por dois tiros (um na cabeça e outro no braço) deflagrados por ladrões alucinados. Felizmente ele não corre risco de morte. O outro baleado, um policial civil que teria reagido ao assalto, já teve alta médica.
O fato é que a onda de violência, que antes víamos pela TV no conforto da nossa casa como realidade distante, avança ao nosso encontro, e nem mesmo o reforço de controle das câmeras filmadoras que tudo vêem, como o “Big Brother” no romance “1984” de George Orwell, tem sido capaz de detê-la.
O pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz explica que a descontinuidade das políticas públicas de controle de armas fez com que os avanços conquistados com o Estatuto do Desarmamento em 2004 caíssem no esquecimento e os números de homicídios voltassem a crescer.
Hoje em dia, em qualquer parte do nosso país, quase tão fácil quanto comprar pão na esquina é adquirir revólver e munição para praticar delitos. Estimativas dão conta que existem atualmente 120 milhões de armas de fogo em circulação no Brasil.
Inversamente proporcional aos índices da educação e da qualidade de vida, que seguem entre os últimos da fila a passos lentos; quando o assunto é carga tributária e estatística da violência, em comparação com países desenvolvidos, o Brasil encabeça as pesquisas.
Em outubro, o montante que nós brasileiros pagamos aos cofres públicos para que o governo nos retribua pelo menos com saúde, educação e segurança de qualidade, já havia ultrapassado a casa de um trilhão de reais. Enquanto isso, diariamente 102 mortes acontecem por armas de fogo no país.
É triste, mas é verdade, o país do samba, futebol e carnaval, de acordo com as pesquisas de Waiselfisz, lidera os índices de homicídios de jovens por arma de fogo no mundo. A taxa baiana de homicídios é estarrecedora: são 32,75 mortes por 100 mil habitantes. Bem mais que a média da América do Sul onde a taxa de mortes por assassinato é de 26 a cada 100 mil pessoas. As disparidades são ainda maiores ao compararmos com a Europa, onde a média é de 8,9. Na Bahia, nos últimos três anos, 13 mil vidas foram ceifadas por mortes violentas. Só em 2009, ocorreram quase cinco mil homicídios no estado.
A onda de violência já invadiu o interior. No município de Jequié, com menos de 200 mil habitantes, conhecido pela tranquilidade e hospitalidade dos seus moradores, os números apontam para uma situação inimaginável em outros tempos. Só este ano, até o mês de outubro aproximadamente 50 pessoas foram mortas violentamente. A maioria jovem. Na zona rural, quadrilhas têm praticado assalto à mão armada para tomar picapes de agricultores e motoristas de transporte alternativo.
Antes das eleições, políticos são especialistas em soluções mirabolantes. Depois de eleitos tornam-se doutores das justificativas sobre as problemáticas que permanecem.
Não é necessário ser especialista nem candidato ao Governo do Estado ou à Presidência da República para saber que parte da solução contra a violência crônica que assola nosso país perpassa principalmente pelo enfrentamento dos problemas que afligem a juventude brasileira. É simples: o jovem precisa ter acesso à educação, cultura e trabalho.
Mas a realidade é outra, bem diferente das propagandas do poder público. Segundo um estudo chamado “Cidades Escondidas” divulgado pelo UN-Habitat (braço da ONU - Organização das Nações Unidas - para habitação) em conjunto com a OMS - Organização Mundial da Saúde, crianças das áreas urbanas mais pobres, comparadas às crianças que vivem nas áreas ricas das cidades, têm o dobro de probabilidade de morrer antes de completarem cinco anos. Imaginemos então as bombas-relógios que aguardam no silêncio dos bolsões da miséria nacional a hora exata da detonação. É quando conseguem atingir a adolescência ou a vida adulta para irem à forra pela ausência do Estado em suas vidas.
O bairro de classe média que vivia o anonimato da tranquilidade, hoje desponta em destaque nas manchetes policiais - “Violência domina o bairro do Stiep e preocupa moradores e comerciantes” - sob a paradoxal explicação de que a violência aumentou depois que uma faculdade foi construída no local. Como um feudo moderno tem atraído a cobiça de delinquentes dos bairros periféricos.
Sei que a sensação de impotência impera nas famílias de bem atingidas cotidianamente pela violência. No peito da sociedade adoecida pelas constantes agressões aflora o sentimento de vingança muitas vezes incitado por alguns veículos de comunicação irresponsáveis. O cidadão pagador de impostos, diante da ineficácia do Estado, chega ao desejo de fazer justiça com as próprias mãos. Mas, a jurisprudência não pode ser conduzida sob pressão pública em estado patológico. Na esquizofrenia da contemporaneidade os avanços tecnológicos têm sido capazes de aproximar estranhos que vivem a milhares de quilômetros de distância, mas não conseguem eliminar as diferenças sociais que convivem em conflitos cada vez mais desastrosos na geografia dos grandes centros urbanos.
Em momentos como este, em que a violência bate à porta de nossos familiares, sempre vem à tona o debate sobre a pena de morte. Insisto em pensar que enquanto houver a possibilidade de um inocente ser condenado e executado injustamente, continuarei contra. E embasado na minha educação cristã, lembro ainda que Jesus foi condenado à pena de morte e executado sob a aclamação popular.
A realidade dos novos tempos comprova: De acordo com Massinga Dias, bacharel em Direito colunista do site Muangolê Notícias “nos EUA, pelo menos 360 pessoas condenadas à morte, entre 1900 e 1985, conseguiram provar a sua inocência”. Para 25 deles, infelizmente, a prova da inocência chegou tarde demais.
Imaginemos então como seria no Brasil, com as carceragens abarrotadas de pobres ao tempo em que uma década se passa enquanto o ex-diretor de um grande jornal, réu confesso, julgado e condenado em primeira e segunda instâncias, por matar a tiros a ex-namorada de 32 anos, continua livre. Dizem que ele passa a maior parte do dia em sua mansão, navegando na internet.
Quero contar com uma segurança pública bem aparelhada, com homens qualificados e bem remunerados. Mas, continuo acreditando que é melhor uma sociedade com mais professores formados do que policiais nas ruas. Creio que é possível uma nação com muito mais jovens nas universidades do que nas adversidades da exclusão social. Quero ainda crer que é preferível promover a edificação de escolas em concreto e conteúdo do que construir penitenciárias.
Acho que não é utopia acreditar que em breve veremos acontecer as tão esperadas reformas jurídicas e tributárias visando o bem comum do cidadão e não apenas os interesses do poder econômico e de uma elite privilegiada.
Só espero que as melhorias aconteçam antes que a violência crônica, a impunidade e as injustiças sociais me contaminem, me obrigando a rever meus conceitos de esperança na evolução humana e me fazendo engrossar o coro dos que defendem o "olho por olho, dente por dente" da velha lex talionis (do latim: lex: lei e talis: tal, aparelho que reflete tudo). Não desejo deixar para meus filhos e netos um país de cegos e banguelas.
Foto e informações do Correio.
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