Este é o Miscelânea, por Júlio Lucas

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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

A cultura do desperdício e os catadores de luxo

É cada vez maior, na Europa e nos Estados Unidos, o número de pessoas catando sobras reaproveitáveis no lixo. E ao contrário do que se pode imaginar, não se tratam de mendigos. Em Amsterdam, por exemplo, essa gente costuma se encontrar numa tradicional feira livre para recolher gratuitamente legumes e frutas empilhadas pelos próprios vendedores. São sobras dos produtos que não foram comercializados.
Nos EUA, não é diferente. Universitários, profissionais liberais, artistas, alimentam-se, vestem-se e decoram a casa com o que encontram pelas ruas em bom estado. Eles são os freegans: free (de graça) + vegan (corruptela de vegetariano). Participam dessa forma de fazer feira sem gastar dinheiro.
O freeganismo é um movimento que defende a política do consumo consciente para diminuir o desperdício, desacelerar o consumismo desenfreado que polui o planeta com milhões e milhões de toneladas de objetos não perecíveis e minimizar a fome. Alguns freegans recolhem alimentos ainda em condições de consumo somente para doar aos mais necessitados.
Numa matéria divulgada no site da revista Trip, o biólogo francês de 44 anos, Alain Fonteneau, diz que se alimenta desde 1996 do que “pesca” nos lixos. “Ao caminhar uma vez por esse mercado, na hora em que os comerciantes partiam, notei que havia frutas em bom estado que seriam jogadas fora. Em outro dia, passando em frente a um supermercado, vi pessoas mexendo no lixo e reparei que ali também havia muita coisa a ser recuperada. E assim iniciei minha atividade de catador”, conta Alain que ficou conhecido depois de se tornar personagem do documentário “Os catadores”, no ano de 2000. “Li em um livro que com tudo o que produzimos podemos alimentar o dobro da população do planeta. Um dia desses, um capitalista disse que, quando formos 8 bilhões no mundo, teremos de produzir ainda mais alimentos. Para quê? Hoje somamos 6 bilhões, temos condições de alimentar 12 bilhões e há 850 milhões de malnutridos. É paradoxal!”, reclama o biólogo francês.
O professor universitário e sanitarista Cláudio Galvez-Kovacic, um croata-chileno (como se define), que atualmente mora em Recife, conta para o site pernambuco.com sua atividade de freegan quando morava na Holanda “Nos fins-de-semana, sempre saía passeando pela rua do mercado com a minha bolsa de palha que uso há uns 20 anos para pegar os vegetais”, lembra. “Há um orgulho por estar fazendo a coisa certa pelo meio ambiente. E duas grandes guerras diluíram o constrangimento de usar coisas já utilizadas por outras pessoas”, explica o professor.
No Brasil, onde 26 milhões de toneladas de comida são desperdiçadas por ano, o movimento começa a chegar, mas ainda é muito tímido. Os supermercados não costumam jogar fora produtos com validade próxima de expirar, tudo volta para o fornecedor. Além disso, a legislação sanitária não permite a doação de sobras. Em nosso país, catar restos reaproveitáveis continua sendo uma prática de mendigos.
O que prevalece por aqui é a cultura do desperdício. Na análise de especialistas e economistas, o fato de o Brasil não ter participado diretamente de uma guerra mundial e ainda ser rico em recursos naturais é a principal causa do desperdício.


VEJAMOS ALGUNS NÚMEROS DA CULTURA DO DESPERDÍCIO:

- Os números do desperdício no Brasil Segundo a CEAGESP (Central de abastecimento para o estado de São Paulo): das 83 milhões de toneladas de grãos produzidas anualmente, algo entre 10% e 30% se perdem no caminho entre a lavoura e o consumidor final.
- O consumidor joga fora 20% dos alimentos com alto teor nutritivo.
- 20% de toda energia elétrica produzida no Brasil são desperdiçados, o que significa uma perda anual de US$ 270 milhões.
- De 25% a 40% de água também são perdidos em vazamentos, equipamentos velhos e mau uso por parte do consumidor.
- De cada três prédios construídos no País, seria possível construir mais um, apenas com o material que é jogado fora.
- Economistas e acadêmicos falam que alguns setores perdem até 40% do que produzem – é o caso dos hortifrutícolas. Significa que, de cada 100 pés de alface plantados e colhidos, 40 vão para o lixo.
- O Programa de Administração de Varejo da USP/Provar quantifica as perdas nos supermercados. Algo em torno de 2,5% do faturamento total do setor – ou R$ 1,74 bilhão em um ano. O que daria para alimentar 600 miI famílias por um ano, considerando um gasto mensal de 247 por casa.
- O setor de serviços perde 30% do seu trabalho pela falta de qualidade. No Japão, essa perda varia de 1% a 3%. Nos EUA, está entre 5% e8%.
- O Brasil recicla menos de 5% de seu lixo urbano. Esse percentual é de 40% nos EUA e na Europa, informa a UBQ (União Brasileira para a Qualidade).

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